No próximo dia 11 de outubro, em Roma, será comemorado o 50º aniversário da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano 2º. Na ocasião, o papa Bento 16 também dará início ao Ano da Fé, que se estenderá até à festa de Cristo Rei, 24 de novembro de 2013. Será um evento memorável, que fará a memória do mais importante momento da vida da Igreja no século 20.
Embora permanecendo a mesma na sua identidade, natureza e missão, a Igreja mudou muito a partir do Concílio. Mudou para ser mais ela própria. Lembro de uma comparação usada no passado, com certa frequência, para explicar a necessidade das “reformas” conciliares: é como uma bela imagem que as pessoas gostam muito e, por isso mesmo, vão queimando vela em sua homenagem, penduram fitas, colocam coroas e outros enfeites e até vestem a imagem com pano. Tudo, porque gostam e querem expressar o carinho para com aquela imagem querida...
Chega um momento em que já não se consegue mais ver bem a imagem, de tanto enfeite e fuligem de vela... Aos poucos, só se vê o adorno e quem não conhecia a imagem original, perde o apreço por ela, pois não compreende o sentido de tanto adorno... É preciso, então, fazer um restauro, retirando os “acréscimos” que escondiam a imagem, para restituir-lhe a beleza e o sentido originários... Comparação é comparação. “Omnis comparatio claudicat” (toda comparação tem defeitos), já diziam os latinos. Fiquemos com o aspecto verdadeiro, para aplicar essa comparação à Igreja.
A reforma, ou renovação conciliar, teve a intenção de ajudar a Igreja a voltar-se para o mais essencial; antes de tudo, para perceber de onde ela própria vem e que a sua razão de ser e existir não vem dela, mas do amor de Deus Trindade, da Palavra reveladora do desígnio de salvação de Deus para com o homem (Constituição Dogmática Dei Verbum). A Igreja queria compreender-se melhor como povo agraciado por Deus, chamado e enviado a proclamar ao mundo a Boa Nova, testemunha do Reino de Deus entre os homens; era necessário clarear novamente a parte de cada membro na vida e na missão da Igreja (Constituição Dogmática Lumen Gentium).
Para melhor realizar isso, foi feita a renovação da Liturgia, da disciplina e organização da Igreja, da formação, vida e missão dos bispos, presbíteros, religiosos e leigos, para que cada um destes grupos componentes da Igreja pudesse viver melhor sua vocação e missão no seio da Igreja e no coração do mundo. Era necessário reafirmar mais uma vez, e de maneira clara, que a Igreja é missionária e não pode deixar de cumprir o mandato de Cristo, de ir e proclamar o Evangelho a todos os povos. Vários decretos e outros documentos do Concílio deram indicações para a revitalização da Igreja, que se fazia muito necessária.
Mas também era necessário que a Igreja se colocasse no compasso do tempo e da história, propondo-se como anunciadora, servidora e testemunha de Boas Novas para o homem contemporâneo, dialogando com o mundo, sem deixar-se absorver por ele; a Igreja tem muito mais para dizer ao homem do que aquilo que ele não deve fazer: ela tem uma luz forte a irradiar sobre a dignidade da pessoa humana e a reta ordem do viver e conviver entre todos os membros da comunidade humana, que ela não pode reter para si e deve partilhar, para a vida plena do homem (Constituição Pastoral Gaudium et Spes).
Por isso mesmo, no Concílio Ecumênico Vaticano 2º, a Igreja abriu-se para ouvir e dialogar com os cristãos de outras Igrejas e grupos, com os crentes de religiões não-cristãs e também com os não crentes. Não é porque ela estivesse pouco convicta da própria verdade, mas porque apenas na atitude do diálogo se consegue compreender as razões do outro e empreender um caminho que tenha algo em comum. Desde o Concílio, muitos passos foram dados nesse caminho, nem sempre fácil. Seria muito pouco, se olhássemos o Concílio Vaticano 2º apenas como um acontecimento do passado. O cinquentenário de sua realização também é ocasião para avaliar os frutos já produzidos; e também para perceber as inevitáveis falhas na aplicação do Concílio, ao longo desses anos todos. E isso tudo nos ajudará a perceber melhor a graça do Concílio e quanto ele ainda tem para ajudar a Igreja nos próximos anos. O Concílio foi concluído em 1965; mas a obra do Concílio está longe de estar concluída!
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
FONTE: CNBB, 12/09/2012
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