Na manhã do domingo, dia 15 de julho, antes de deixar
minha residência para celebrar a Eucaristia na catedral diocesana, liguei o
televisor e, durante dez minutos, assisti ao programa do "apóstolo"
Valdemiro Santiago. Ele comentava uma frase do Evangelho de João: «Na verdade,
nem mesmo os irmãos de Jesus acreditavam nele» (Jo 7,5). Em dado momento,
exclamou: «Há uma religião que ensina tudo errado. Ela insiste em falar que Maria
era virgem. Que virgem era esta se teve, com José, pelo menos cinco filhos e
duas filhas?».
Entre as «religiões que ensinam tudo errado"
estaria a Igreja Católica... A meu ver, porém, já passou o tempo de os cristãos
perderem tempo se digladiando. Acho mais salutar fortalecer o imenso cabedal
que nos foi entregue pelo Evangelho, para, juntos, enfrentarmos as prementes
necessidades por que passa a sociedade atual. Aliás, era o que também ensinava
São Paulo: «Com boas ou más intenções, o que importa é que Cristo seja
anunciado, e eu fico contente com isso» (Fl 1,15).
Ao falar dos vários filhos de Maria, é provável que
Valdemiro Santiago se refira ao que os Evangelhos mencionam por ocasião da
primeira visita de Jesus a Nazaré, depois de se haver tornado conhecido em toda
a Galileia. Chegado o sábado, foi rezar na sinagoga local. Por curiosidade e em
sinal de respeito, foi-lhe pedido que fizesse a leitura e dirigisse a palavra.
Ele aceitou de bom grado. Estava em sua terra e lá viviam seus familiares. A
recepção que recebeu, porém, não foi certamente das melhores: «De onde lhe vem
tudo isso? Onde foi que arranjou tanta sabedoria? E estes milagres realizados
por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de
José, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?» (Mc 6,2-3).
Marcos menciona quatro irmãos e um número incerto de
irmãs. Na passagem paralela, Mateus o imita: lembra os nomes dos homens, mas
esquece as mulheres (Mt 13,55). João e Lucas são mais parcos ainda (Jo 7,5; Lc
4,22).
Como é notório, os judeus desconhecem o vocábulo
"primo". Todos os parentes são chamados de irmãos. Ainda hoje, há
idiomas que "misturam" as coisas, como faz o italiano com a palavra
"nipote", que é aplicada indistintamente a sobrinhos e netos. O
contexto é que explica do que se trata. Por mais vezes, Abraão se dirige a Ló
com o apelativo "irmão" (Gn 13,8; 14,16), quando se sabe que era
sobrinho (Gn 12,5). Nada de especial, se ainda hoje há Movimentos eclesiais,
Congregações religiosas e até mesmo Igrejas Evangélicas onde seus membros são
tratados de irmãos.
Jesus, então, era filho único ou o primogênito entre
vários irmãos? O texto de Marcos revela que, contrariando a tradição judaica,
Jesus não é chamado "filho de José", mas "o filho" - não
"um filho" - de Maria. Ademais, dois nomes aqui elencados como irmãos
de Jesus, mais tarde, no Calvário, são apresentados por Marcos e Mateus como
primos, filhos de outra Maria: «Estavam ali algumas mulheres, olhando de longe.
Entre elas, Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José» (Mc 15,40; Mt
27,56). Maria é esposa de Cléofas, provavelmente os dois discípulos que, no
domingo de Páscoa, viajaram para Emaús (Cf. Jo 19,25 e Lc 24,18).
Se Jesus tivesse irmãos, não teria sido normal confiar
sua mãe a eles, na hora de sua morte, ao invés de a um estranho? «Jesus, vendo
a mãe e, ao lado, o discípulo predileto, disse à mãe: "Mulher, aí está o
teu filho!". Depois disse ao discípulo: "Aí está a tua mãe!".
Desde esse momento, o discípulo a levou para a sua casa» (Jo 19,26-27).
Mas, graças a Deus, em certo sentido - que é o mais
verdadeiro, profundo e bonito - preciso concordar com Valdemiro: Jesus não é
filho único de Maria. É o que assevera o Evangelho de Lucas: «Enquanto estavam
em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho
primogênito» (Lc 2,6-7). Jesus é o primeiro dentre uma multidão de irmãos,
entre os quais estamos você e eu, amigo leitor. É o que garante São Paulo:
«Sabemos que todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus, dos que
são chamados segundo o seu projeto. Os que Deus antecipadamente conheceu,
também os predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho, para que este
seja o primogênito entre muitos irmãos» (Rm 8,28-29).
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
FONTE: Diocese de Dourados.
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