Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Dos artigos que escrevo às sextas-feiras, poucos
recebem comentários dos leitores. Na maioria das vezes, os que o fazem, mais do
que elogios, expressam reticências. Normalmente, elas partem de pessoas que –
tudo leva a crer – não integram as fileiras da Igreja Católica, ou alimentam
reservas a seu respeito. De minha parte, devo ter a humildade de aceitar também
as críticas, não apenas porque me ajudam a ampliar meus horizontes culturais,
mas também porque, como diz a sabedoria popular, quem escreve o que quer, ouve
o que não quer!
Foi o que aconteceu também com o artigo que publiquei
no dia 13 de julho, sob o título: “Não façais da religião um mercado!”.
As palavras mais iradas vieram de Marcelo R. Para ele,
a Igreja Católica não deveria se pronunciar sobre temas éticos, já que seu
passado deixa muito a desejar: «Fala sério, meu caro Dom Redovino! Quem é a
igreja católica para falar sobre comércio? Lembra das indulgências e do período
das inquisições, onde os pobres eram obrigados a aceitar o cristianismo sob
pena de serem mortos? Os infelizes tinham que dar suas poucas moedas de ouro
para a “santa igreja” enviar a alma dos entes queridos falecidos para o céu? A
religião católica é diretamente responsável pelo atraso tecnológico, econômico
e cultural do mundo! Devolva as riquezas saqueadas mundo afora pela igreja!
Faça a cúpula do catolicismo comer arroz e feijão! Quanto às outras religiões,
realmente devo concordar: são mercantilistas e extorsionárias como vocês!».
Na verdade, se nos prendêssemos aos erros do passado,
seriam poucas as pessoas, instituições e nações a quem se poderia conceder a
palavra! Não a teriam os portugueses e os espanhóis, pela violência cometida
contra os autóctones da América Latina. Não a teriam os índios, pelo
canibalismo praticado contra os inimigos e pela multidão de crianças
sacrificadas aos deuses ou por terem nascido defeituosas. Não a teríamos nós,
brasileiros, pelo morticínio, inclusive de meninos, perpetrado contra os
paraguaios durante a guerra da Tríplice Aliança (1864/1870). Não a teria a
Turquia, pelo genocídio do povo armênio, levado adiante de 1915 a 1917. Não a
teria o povo alemão, pelo silêncio que guardou durante a 2ª Guerra Mundial
(1939/1945), enquanto Hitler e o nazismo massacravam os judeus. Não a teriam os
bandeirantes, pela destruição das Reduções e pelas dezenas de milhares de
índios que escravizaram. Não a teriam os nordestinos e os gaúchos, pelo
desmatamento operado no Mato Grosso do Sul (Estado onde resido).
Mas, vale a pena insistir na lista para detectar
culpados? Numa história da humanidade marcada por injustiças e preconceitos,
temos o direito de avaliar o passado com critérios de hoje? Se assim agirmos, como
nos julgarão os habitantes do planeta Terra daqui a 200 anos? O passado e o
presente – não quero prever o futuro – são marcados por luzes e sombras. É o
que acontece também na Igreja: sendo composta de pessoas humanas, em seu seio
os santos e os pecadores convivem lado a lado.
Concordo com o Marcelo ao afirmar que a Igreja deveria
ter sempre praticado o que prega. Isso, porém, vale para todos, até para ele:
não o conhecendo pessoalmente, não sei qual é a sua atuação por um mundo mais
justo e solidário. «Quem estiver sem pecado jogue a primeira pedra!» (Jo 8,7),
disse Jesus a quem, julgando-se acima e melhor do que os outros, os condena
sumariamente. Se foram uma multidão os cristãos que erraram no passado – e
continuam errando no presente – são também uma multidão os que se dedicaram – e
continuam se dedicando – à promoção da cultura, da saúde, da justiça, da
paz e da fraternidade e à defesa da dignidade humana. É por isso que são
também uma multidão os que perderam e perdem a vida, perseguidos por quem se
sente questionado por uma Igreja que, como Jesus, será sempre «sinal de
contradição» (Lc 2,34): para uns, tábua de salvação; para outros, pedra de
tropeço.
O que realmente importa é converter-se ao «amor, que
apaga uma multidão de pecados» (1Pd 4,8), repara os erros do passado, dá
esperança à humanidade e enternece o coração de Deus: «Haverá no céu maior
alegria por um só pecador que se converte do que por noventa e nove pessoas
que, por se considerarem corretas, julgam não precisar de mudança» (Lc 15,7).
Fonte: CNBB, 24/08/2012
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