Na manhã desta quinta-feira, 3 de abril de 2014, o Papa Francisco recebeu em audiência, no Vaticano, o Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, Card. Angelo Amato e depois de ouvir o relatório sobre a vida e a obra do “Apóstolo do Brasil”, o Pontífice assinou o decreto que reconhece a figura e a grandeza do missionário, colocando assim seu testemunho como exemplo para os cristãos de todo o mundo.
O primeiro pedido de canonização foi feito pelos fiéis brasileiros há exatos 417 anos na ocasião de sua morte! Já o último ocorreu em outubro passado, por iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em dezembro de 2013, como revelou o Presidente da CNBB à Rádio Vaticano, o Card. Raymundo Damasceno Assis recebeu um telefonema pessoal do Santo Padre, respondendo positivamente ao pedido.
Trata-se do primeiro santo de 2014 e o segundo jesuíta a ser canonizado pelo jesuíta Papa Francisco. Antes dele, em 17 de dezembro passado foi a vez de São Pedro Fabro, um dos fundadores da ordem da qual o papa pertenceu.
“A santidade do grande homem de Deus foi reconhecida”, declarou logo após a assinatura do decreto o Vice-Postulador da Causa, Pe. Cesar Augusto dos Santos, que também é responsável pelo Programa Brasileiro da Rádio Vaticano.
A canonização de José de Anchieta se insere num contexto mais amplo, de reconhecimento da santidade de outros dois evangelizadores da América: a Irmã Maria da Encarnação e o Bispo Francisco de Montmorency-Laval – dois franceses que viveram no Canadá. Não se trata de um caso, pois os três novos santos foram beatificados juntos pelo Papa João Paulo II, em 22 de junho de 1980. Naquela mesma cerimônia, também foram beatificados Pedro de Betancur e a jovem indígena Catarina Tekakwitha – ambos já canonizados, o primeiro em 2002 pelo papa João Paulo II e a segunda em 2012 pelo papa Bento XVI. Portanto, faltava o reconhecimento dos outros três – o que aconteceu na manhã desta quinta-feira.
Anchieta e os Papas
A importância de Anchieta e seu papel fundamental para a evangelização do Brasil já eram conhecidos pelos Pontífices. Na sua cerimônia de beatificação, João Paulo II se referiu a Anchieta como “um incansável e genial missionário”:
“Seu zelo ardente o move a realizar inúmeras viagens, cobrindo distâncias imensas no meio de grandes perigos. Mas a oração contínua, a mortificação constante, a caridade fervente, a bondade paternal, a união íntima com Deus, a devoção filial à Virgem Santíssima — que ele celebra em um longo poema de elegantes versos latinos —, dão a este grande filho de Santo Inácio uma força sobre-humana, especialmente quando deve defender contras as injustiças dos colonizadores os seus irmãos indígenas. Para eles compõe um catecismo, adaptado à sua mentalidade e que contribuiu grandemente para a sua cristianização. Por tudo isto ele bem mereceu o título de «apóstolo do Brasil”.
Por sua vez, o Papa Bento XVI, na mensagem para a 28ª Jornada Mundial da Juventude, apresentou o sacerdote jesuíta como um modelo para os jovens: “Penso, por exemplo, no Beato José de Anchieta, jovem jesuíta espanhol do século XVI, que partiu em missão para o Brasil quando tinha menos de vinte anos e se tornou um grande apóstolo do Novo Mundo”.
Anteriormente, em discurso aos Bispos dos Regionais Norte 1 e Noroeste, em visita ad Limina Apostolorum em outubro de 2010, Bento XVI disse: “Ao pensar nos desafios que esta proposta de renovação missionária supõe para vós, Prelados brasileiros, vem-me à mente a figura do Beato José de Anchieta. Com efeito a sua incansável e generosíssima atividade apostólica, não isenta de graves perigos, que fez com que a Palavra de Deus se propagasse tanto entre os índios quanto entre os portugueses – razão pela qual desde o momento de sua morte recebeu o epíteto de Apóstolo do Brasil – pode servir de modelo para ajudar as vossas Igrejas particulares a encontrar os caminhos para empreender a formação dos discípulos missionários no espírito da Conferência de Aparecida”.
Já Francisco escolheu a praia de Copacabana, na missa conclusiva da 28ª JMJ no Rio de Janeiro, em 28 de julho de 2013, para falar do sacerdote jesuíta, com estas palavras: “A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido por vocês!”
Histórico da Causa de canonização
Em 9 de junho de 1957, morria em Reritiba, aos 63 anos de idade, o Padre José de Anchieta, Apóstolo do Brasil, Defensor da liberdade dos índios, Taumaturgo do Novo Mundo, de virtudes em Grau Heroico, declaradas pela Santa Sé. Foi o primeiro propagador da Imaculada Conceição no Brasil, autor de seu Officium Parvum [Pequeno Ofício], cantor de suas glórias no Poema De beata virgine dei Matre Maria. Foram necessários 417 anos - um longo percurso marcado por percalços de toda ordem, mas também, sempre acompanhado pela graça – para chegarmos a este momento.
Logo após a sua morte com fama de santidade, os jesuítas começaram a movimentar-se para iniciar o processo de sua canonização, não somente pela fama de santidade de Anchieta, mas também incentivados pela forte manifestação de afeto dos índios.
Trinta e sete anos após o início deste processo, os jesuítas depararam-se com um primeiro obstáculo. O Papa Urbano VIII assinou um decreto em que os Processos das Causas dos Santos só poderiam ser examinados 50 anos após a morte do fiel cristão. Assim, somente a partir de 1647 a documentação de Anchieta poderia ser investigada.
Com um decreto do Papa Inocêncio X, a Causa foi retomada, começando pela Declaração da 'Não Existência de Culto Público'. Assim, no ano de 1652, Anchieta era declarado Servo de Deus.
Após sofrer nova interrupção, desta vez por falta de recursos, a Causa foi retomada em 1702. Em 1732, os escritos foram examinados e aprovados no ano seguinte, sendo publicados por Roma com o título "Autos sobre as Virtudes deste Apóstolo". Três anos após, com a publicação do Decreto das Virtudes em Grau Heroico, a santidade de Anchieta era definitivamente reconhecida pela Igreja, passando então a receber o título de 'Venerável'. Foram 21 os Processos realizados e repetidos no Brasil, Portugal e Estados Pontifícios e em sete cidades: Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Olinda, Évora, Lisboa e Roma.
Em 1760 os jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal e em 1773 o Papa Clemente XIV suprimiu a Companhia de Jesus, provocando nova interrupção da Causa. Somente 110 anos após, em 1883, a Causa foi retomada. Em 1903, todos os processos anteriores foram declarados válidos.
O episcopado brasileiro, em três séculos e meio, foi ininterruptamente constante e pastoralmente fiel nos apelos dirigidos aos Sumos Pontífices, por meio de cartas postulatórias em prol da Beatificação de Anchieta. Uma coleção destas cartas pertencem aos Bispos da Bahia, Olinda e Rio de Janeiro, acrescidas pelas dos Bispos de Portugal e Espanha, e pertencem aos séculos XVII e XVIII.
Cartas decisivas, porém, que impressionaram o Papa Paulo VI e acabaram frutificando no Pontificado de João Paulo II, foram as redigidas e assinadas pelo Presidente e Bispos da CNBB, nas Assembleias de 1969, 1974 e 1977.
Em outubro de 1976, em Aparecida, Pe. Moutinho, novo Vice-Postulador da Causa, consagrou a Causa a Nossa Senhora Aparecida, argumentando com a Virgem que ela tinha uma dívida de gratidão com Anchieta pelas obras 'O Poema da Virgem', o 'Pequeno Ofício' ou 'Horas da Imaculada Conceição'. Assim, em 1980, após ouvir o pedido do Vice-Postulador, João Paulo II beatificou José de Anchieta, reconhecendo sua fama de santidade e de "milagreiro".
Tendo sido beatificado, era necessário ainda um esforço final para a sua canonização. Um pedido da Conferência dos Bispos do Brasil, acompanhado pelos de cardeais, arcebispos, bispos, padres, representantes dos poderes públicos e também dos leigos representantes de vários segmentos da sociedade, foi encaminhado ao Papa Francisco para que inscrevesse o nome de José de Anchieta no Catálogo dos Santos, estendendo seu culto para a Igreja espalhada por todo o mundo.
A canonização de Anchieta foi por equipolência
A “canonização equipolente” demanda três requisitos: a prova da constância e da antiguidade do culto ao candidato a santo, o atestado histórico incontestável de sua fé católica e virtudes, e a amplitude de sua devoção. Pe. José de Anchieta supre inteiramente as três condições.
Desde a sua morte, o missionário jesuíta já era venerado como homem de Deus no Estado do Espírito Santo e em todo o Brasil; contudo, somente após sua beatificação em 1980 ele passou a ser cultuado no Brasil, assim como em sua terra natal, as Ilhas Canárias; na Espanha continental e em Portugal. Inúmeros milagres e graças foram atribuídos à intercessão do novo Santo. Há mais de cinco mil registros de graças no processo de canonização.
A praxe da equipolência goza do mesmo atributo de infalibilidade das canonizações ordinárias, nas quais são exigidos milagres. O Papa Francisco empregou recentemente este procedimento elevando aos altares, por decreto, Santa Angela Foligno (outubro de 2013) e São Pedro Fabro (dezembro de 2013).
Por que o título de “Apóstolo do Brasil?”
Humildade, testemunho de fé inabalável em Deus, esperança e caridade: são estas as virtudes que fizeram de Anchieta um santo. Nascido na Ilha de Tenerife, no arquipélago das Canárias, na Espanha, Padre José de Anchieta chegou ao nosso país muito novo. Tinha apenas 19 anos em julho de 1553, e havia entrado para a Companhia de Jesus dois anos antes.
O jovem e doente jesuíta havia já professado seus votos de pobreza, castidade e obediência perpétuas e naquelas terras, tomava consciência de que era finalmente um missionário. Em menos de um ano, dominava o tupi com perfeição.
Tendo assimilado perfeitamente as tradições e valores locais, ensinava os preceitos cristãos utilizando celebrações musicadas ao ritmo de tambores, em aulas ao ar livre. Educava e catequizava; defendia os indígenas dos abusos dos colonizadores portugueses.
A pé ou de barco, Anchieta viajou pelo País inaugurando missões e dando aulas de catequese, gramática e conhecimentos gerais aos índios, colonos e por vezes, até padres.
Das mãos de Pe. Manoel da Nóbrega, o jovem noviço, poucos meses depois da chegada, recebeu a incumbência de fundar um colégio no planalto, com o objetivo de expandir a missão mais adentro da selva. Anchieta logo partiu juntamente com outros companheiros jesuítas. No dia 25 de janeiro de 1554, festa litúrgica da conversão do apóstolo São Paulo, os jesuítas celebraram pela primeira vez a Eucaristia no chamado Planalto de Piratininga. O novo colégio foi dedicado ao Apóstolo dos Gentios. E São Paulo se tornou uma das maiores cidades do mundo.
Os 44 anos em que Anchieta viveu no Brasil foram repletos de dificuldades. Começando pela enfermidade, sua missão implicou em inúmeros riscos de morte. Uma das situações mais arriscadas da vida de Anchieta foi o exílio que viveu em Iperoig, atual cidade de Ubatuba. Em maio de 1563, com o apoio dos franceses, a tribo dos Tamoios se rebelou contra a colonização portuguesa. O jovem missionário se ofereceu como refém enquanto seu superior, Pe. Manoel da Nóbrega, partiu para São Vicente, para negociar um utópico, mas alcançado tratado de paz. Naquele lugar, o apóstolo, aos 29 anos de idade, experimentou um dos momentos mais difíceis de sua existência. Durante seu cativeiro na praia, recebia frequentes ameaças de morte e tentações contra a castidade; era comum aos índios oferecerem mulheres aos prisioneiros, antes de sua morte. Naquele momento de imensa solidão, o jesuíta fez uma promessa a Nossa Senhora: escreveria o mais belo poema já feito em sua homenagem se conseguisse sair casto do cativeiro. Como prova da fé, começou a escrever os versos na areia da praia e assim surgiu o “Poema à Virgem”, em que relata a história da Mãe de Deus. Após cinco meses de confinamento, Anchieta foi libertado. Sem ter cedido à tentação.
Foi ele quem enviou jesuítas para as missões do Rio da Prata que deram origem as famosas reduções do Paraguai no século XVIII. Era um incansável apóstolo que encontrava a Deus nas situações aparentemente mais banais da vida e fazia questão de relatá-las detalhadamente em suas cartas.
Em 1569, fundou a povoação de Reritiba (atual Anchieta), no Espirito Santo. De 1570 a 1573, dirigiu o Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro. Em 1577, foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, função que exerceu por dez anos, sendo substituído em 1587, a seu pedido. Antes, porém, teve de dirigir o Colégio dos Jesuítas em Vitória, no Espírito Santo.
Em 1595, obteve dispensa dessa função e retirou-se para Reritiba, sua querida aldeia no Estado do Espírito Santo, cidade que hoje leva o seu nome onde faleceu em 9 de junho 1597. Aos 63 anos de idade, terminava sua travessia por este mundo o incansável missionário José de Anchieta.
- Nossa comunidade, como já havíamos programado em janeiro, no próximo dia 9 de junho, memória litúrgica deste Santo, fará uma celebração de agradecimento por essa tão esperada Canonização pelos fiéis brasileiros!
FONTE: Rádio Vaticano (Adaptado)
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